quarta-feira, 30 de março de 2011

Até quando

Até quando esperar a mamãe
lembrar-se que tem filho
e vir nos alimentar?
Quem não chora não mama!

Até quando ficar de braços cruzados
escutando uma estória cabeluda
de um moleque que nem sabe o que quer?
Quem conta um conto aumenta um ponto!

Até quando esperar alguém
dizer-lhe o que deve ser quando crescer?

Até quando vai baixar a cabeça
diante de tudo o que acontece,
daquilo que te afeta?

Até quando vai dizer que tudo poderia ser diferente?
Até quando vai cruzar os braços
e esperar que as pessoas façam alguma coisa?
As pessoas somos nós

Se quiserem saber das respostas
Dirijam-se às praças
E tirem o milho dos pombos
Eles já engordaram demais

domingo, 27 de março de 2011

Presença

Sinto tua presença em todo lugar
Em todo momento
Sinto-te tão perto de mim
Que parece ser uma coisa só

Vejo-te em todos os lugares
Em tudo ao meu redor
Na natureza
No canto dos pássaros
No barulho das águas
No sol se pondo
No vento que sopra em meus ouvidos
Vejo-te além do bem e do mal

Dia e noite penso em ti
Em todo momento presença
No meu respirar
No meu andar
No meu dormir
No meu acordar
Tu estás para além do bem e do mal

sexta-feira, 11 de março de 2011

Epitáfio

Um dia encontrei uma larva que estava jogada no chão agonizando os últimos suspiros de vida. Ela suplicou que eu baixasse ouvido ao seu lado para me contar seu último pedido, e disse-me:

Cá estou a padecer
Eu que tinha tantos sonhos
Os melhores possíveis
Projetava-me para ser uma operária
Diferente de todas as demais
Pretendia eu lutar pela doçura da dignidade
O néctar da justiça
A essência da felicidade
Para que houvesse igualdade entre todos
...
Projetava-me ainda para crescer e voar
E partir em caminhos desconhecidos aos mortais
Desfigurar o que chamam destino
- prefiro dizer determinação -
...
Mas as brilhantes ideias minhas
Cedo demais se manifestaram
E aqueles que muito podiam
Para fora me mandaram
Fui impedida ainda em sonho
Da metamorfose sonhar
...
Ajude se puder esta pobre criatura
Que por sonhar padece ainda
Na esperança de vida futura
...
Leve esta mensagem a quem tanto interessar
Leve esta mensagem
a quem não desistiu de sonhar

quinta-feira, 3 de março de 2011

Tempo de conversão

Cortar a maniva
Enterrar no chão
Tempo de espera
Tempo de conversão
...
Arrancar a mandioca
Cortar e descascar
Põe de molho
Tempo de espera
Tempo de conversão
...
Mói a mandioca
Põe na prensa
Tempo de espera
Tempo de conversão
...
Acende o fogo
Esquenta o pandeiro
Joga o farelo
Põe pra torrar
Revira o tempo todo
Muda sem parar
Tempo de espera
Tempo de conversão
...
A farinha da mandioca
Muda de vida
Muda a ação
Tempo de espera
Tempo de conversão

terça-feira, 1 de março de 2011

A Pedra de Narciso

Avistei de longe uma estranha situação, um homem à beira de um rio que tinha água límpida e clara. Ele estava quase a cair devido a sua posição. Percebi que ele observava algo com muita admiração. Chegando mais perto descobri que ele contemplava a sua própria imagem refletida na água. Sua inquietação era tão intensa e crescente que se aproximava perigosamente da beira... Apesar de conter água límpida e clara, o rio em seu leito continha correntezas fortes, capazes de levar corpos e sonhos, imagem e beleza. Para o fundo. Para a morte... Num ímpeto altruísta, atirei uma pedra em sua direção. A água ficou turva, e ele tomou um susto afastando-se subitamente da margem. Salvei-o de seu egoísmo... Eu salvei Narciso...