"Uma multidão de cabeças curiosas e de corações palpitando na mais ansiosa expectação se apinharam em volta do piano; os cavalheiros estavam ansiosos por saberem se a voz daquela mulher correspondia à sua extraordinária beleza; se a fada seria também uma sereia; as moças esperavam que, ao menos naquele terreno, teriam o prazer de ver derrotada a sua formidável êmula, e já contavam compará-la com o pavão da fábula queixando-se a Juno que, o tendo formado a mais bela das aves, não lhe dera outra voz mais que um guincho áspero e desagradável.
A conjuntura era delicada e solene; a moça achava-se na difícil situação de uma prima dona que, precedida de uma grande reputação faz a sua estréia perante um público exigente e ilustrado. Em torno dela fazia-se profundo silêncio; as respirações estavam como que suspensas; ao passo que parecia ouvir-se o palpitar de todos os corações no ofego da expectação.
[...] Uma vez sentada ao piano, logo que seus dedos mimosos e flexíveis, pousando sobre o teclado, preludiaram alguns singelos acordes, a moça sentiu-se outra, revelando aos circunstantes maravilhados um novo e original aspecto de sua formosura. A fisionomia, cuja expressão habitual era toda modéstia, ingenuidade e candura, animou-se de luz insólita; o busto admiravelmente cinzelado ergueu-se altaneiro e majestoso; os olhos estáticos alçavam-se cheios de esplendor e serenidade; os seios, que até ali apenas arfavam como as ondas de um lago em tranquila noite de luar, começaram de ofegar, túrgidos e agitados, como oceano encapelado; seu colo distendeu-se alvo e esbelto como o do cisne que se apresenta a desprender os divinais gorjeios. Era o sopro da inspiração artística, que, roçando-lhe pela fronte, a transformava em sacerdotisa do belo, em intérprete inspirada das harmonias do céu. Ali sentia-se ela a rainha sobre seu trono ideal; ali era Calíope sentada sobre a trípode sagrada, avassalando o mundo ao som de enlevadoras e inefáveis harmonias. Das próprias inquietações e angústias da alma soube ela tirar alento e inspiração para vencer as dificuldades da árdua situação em que se achava empenhada. Banhou os lábios com as lágrimas do coração, e a voz lhe rompeu do peito com tão original e arrebatadora vibração, em modulações tão puras e suaves, tão repassadas de sublime melancolia, que mais de uma lágrima viu-se rolar pelas faces dos frequentadores daquele templo dos prazeres, dos risos e da frivolidade!"
GUIMARÃES, Bernardo. A Escrava Isaura. São Paulo. Ed. Base, 1993.
E você, que experiência estética já vivenciou?